O medo que corrompe
- Roberto Marques
- 6 de out. de 2020
- 3 min de leitura
“Não é o poder que corrompe, mas o medo. Medo de perder o poder corrompe aqueles que o exercem e medo da ameaça desse mesmo poder corrompem quem a ele está sujeito.”
Freedom from Fear, Aung San Suu Kyi
A 13 de novembro de 2010 uma multidão expectante ouve Aung San Suu Kyi após 7 anos em prisão domiciliaria por afrontar o governo ditatorial de Myanmar[1]. Símbolo das forças democráticas no seu país contra a junta militar que governava o seu país e foi laureada com o premio Nobel da Paz em 1991 como reconhecimento dessa luta. A sua liberação foi louvada pelo antigo primeiro ministro britânico Gordon Brown através de um artigo de sua autoria. Ele classifica-a como «uma das causas que definem a nossa era» e «uma grande vitoria do poder do povo», fazendo alusão à mobilização mundial para a libertação de Aung San Suu Kyi[2]. Gozando de uma enorme popularidade e reconhecida autoridade moral, ela viria a ser eleita como governante máximo daquele país em 2016[3]. No entanto o «final feliz» a que Hollywood nos habituou não foi duradouro. Em 2017 Myanmar está novamente nos noticiários e não pelas melhores razões. Os Rohingya, uma das minorias étnicas presentes no país, são visados numa campanha do exercito levando à morte milhares de pessoas e a centenas de milhares a fugirem pelas suas vidas, um relatório da ONU apresenta esta crise como genocídio[4]. A mesma chefe de estado Aung San Suu Kyi que antes de subir ao poder defendia os valores democráticos agora é incapaz de condenar e afrontar os seus próprios chefes militares. É caso para dizer que Aung San Suu Kyi profetizou acerca dela própria quando escreveu o seu livro «Freedom from Fear». A citação mencionada acima foi retirada de um dos seus discursos contra a junta militar, nele ela menciona como tanto opressores, como oprimidos, podem ser corrompidos pelo medo. Segundo ela, o grande teste ao caracter humano encontra-se quando somos confrontamos com o medo.
Esta noção enquadra-se bem com a mensagem que o apostolo Paulo enviou a Timóteo em 2 Timóteo 1:7-8: “Porque Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação. Não te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado, que sou eu; pelo contrário, participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus” (ARA). Nela Paulo apresenta a coragem como o grande antidoto do medo, uma coragem baseada no poder, amor e autodisciplina[5] que possuímos quando sob influencia divina. Quando somos confrontados com o mal, sob todas as suas formas, e o sofrimento nos somos confrontos com os nossos medos: medo de perder poder, de sofrer, de ser traído, do futuro, do desconhecido, etc. Esse medo, que cresce, pode dominar-nos se o deixarmos levando-nos a ter gesto e palavras menos dignas, nomeadamente através da violência física ou verbal. Isto é, como temos medo atacamos o outro antes que ele tenha ocasião de nos fazer mal. No entanto Deus não utiliza as armas do mal para vencer o mal, ele utiliza a força do seu caracter e do seu amor para denunciar o mal, como o sacrifício de Jesus nos mostra. Da mesma maneira um discípulo de Cristo não deveríamos utilizar as armas dos nossos adversários mesmo quando a tentação se manifesta motivado pelo nosso medo. Tentação de responder a uma critica com uma critica, uma ofensa com outra ofensa, uma agressão com outra agressão. Nesta carta a Timóteo Paulo reconhece a tentação do medo e que ele contrapõe com a coragem que vem de Deus. Coragem que é o fruto da força, amor e disciplina que Deus nos oferece e que nos impede de ser corrompidos pelo medo. Que nos permite ser fiéis aos princípios de Jesus apesar dos sacrifícios que teremos de fazer. Paulo encoraja-nos a vencermos o mal com o bem, o ódio com o amor. Não cedendo ao medo, mas mostrando através da nossa atitude a quem pertencemos.
[1] https://www.nytimes.com/2010/11/15/world/asia/15myanmar.html [2] https://www.theguardian.com/commentisfree/2010/nov/14/aung-san-suu-kyi-release [3] https://www.bbc.com/news/world-asia-pacific-11685977 ; https://www.britannica.com/biography/Aung-San-Suu-Kyi/State-counselor [4] https://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/FFM-Myanmar/A_HRC_39_64.pdf [5] σωφρονισμός ,que é traduzido na versão Almeida Revista Atualizada por moderação, é definido pelos dicionários bíblicos como capacidade de fazer boas escolhas resultantes de um estado de autocontrolo ou disciplina pessoal.


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